Notas
28 frases de Verissimo sobre o Brasil num novo livro que mostra seu gênio
Por Celso Vicenzi, no Diario do Centro do Mundo
Por trás do olhar doce de menino que nunca envelheceu, Luis Fernando Verissimo tem se revelado um observador incisivo e crítico contumaz da mediocridade e dos desmandos que aqui continuam a reinar mesmo depois de extinta a monarquia.
Criador de personagens que entraram para a história, como a Velhinha de Taubaté, o detetive Ed Mort e o Analista de Bagé, é autor de dezenas de livros que desnudam a alma brasileira e transformam os mais áridos temas em motivo de humor e fina ironia. Afinal, no Brasil, tudo acaba em tragicomédia, na vida pública ou privada.
Marcelo Dunlop, que desde os 10 anos coleciona crônicas desse portoalegrense e brasileiro que é internacional até na paixão pelo futebol, reuniu centenas delas, organizadas por verbetes em ordem alfabética, de A a Z, de Abacaxi a Zodíaco, no livro «Ver!ssimas – frases, reflexões e sacadas sobre quase tudo», da editora Objetiva.
Sobre quase tudo que vem acontecendo no Brasil, principalmente. Verissimo e suas Ver!ssimas são a mais elegante tradução de um país que está perdendo a elegância e o bom humor.
ANTECEDENTES – A corrupção é muito antiga no Brasil. As contas que o Cabral trocou com os índios já não fechavam.
BRASIL – No Brasil o fundo do poço é apenas uma etapa.
CLASSES – O Brasil é formado por uma classe dominante e uma classe ludibriada.
CONSTITUIÇÃO – Nossa Constituição é como «A Voz do Brasil»: a maioria não liga.
CORRUPTORES – Brasil, esse estranho país de corruptos sem corruptores.
DEMOCRACIA – Toda a história da democracia no Brasil é a história da educação da nossa elite na arte de não mudar nada, ou só mudar o suficiente para não perder o controle.
ELITES – O Brasil é governado por minoria esmagadora.
EXPLICAÇÕES – O político brasileiro, uma vez eleito, se sente a salvo em outro país, o Brasil oficial, que não deve nada ao Brasil de verdade, muito menos explicações.
FALCATRUAS – Nossa alma amazônica não se satisfaz com pequenas falcatruas, queremos pororocas de sujeira, dilúvios de canalhice.
GENERAIS – Há algumas décadas instituímos no país a democracia condicional. Qualquer um podia ser presidente da República, desde que tivesse quatro estrelas. O que restringia a escolha a generais e hotéis.
HIPOCRISIA – No Brasil parece não haver escolha entre ser bobo e ser cínico.
IDEOLOGIAS – É só você decidir se é de meia esquerda, um quarto de esquerda, três quartos de esquerda, direita dissimulada, direita responsável ou direita Gengis Khan, e há um partido pronto para você no Brasil.
IGUALDADE – Todo brasileiro é igual perante a lei, contanto que não seja pé de chinelo, porque aí é culpado mesmo.
IMPREVISÍVEL – O Brasil não é mais um país imprevisível. É um país tristemente previsível.
INDEPENDÊNCIA – Todos deviam ser donos do seu nariz, mas infelizmente isto não acontece. Num país como o Brasil o sonho do nariz próprio continua inalcançável para a maioria.
INTRIGA – A intriga é a única indústria de Brasília.
JEITINHO – Nós brasileiros somos, paradoxalmente, a raça do jeito pra tudo e a raça que não tem jeito mesmo.
JORNAL – Às vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data.
MEMÓRIA – Até hoje, ninguém que confiou na falta de memória do Brasil se arrependeu.
MUDANÇAS – As nossas elites não mudaram muito desde dom João VI. Vamos lhes dar mais um pouco de tempo.
NOTÍCIAS – Um dia é da notícia, o outro é do desmentido.
OURO – Numa hipotética modalidade de corrupção sem barreiras, o Brasil levaria o ouro, a prata e o bronze – para a Suíça.
PACIÊNCIA – No Brasil, as classes inferiores cumprem seu papel e dão às elites repetidos exemplos de bom senso, honestidade e, principalmente, contenção e paciência. Quando a paciência acaba – como na questão das invasões de terra –, não falta quem se sinta ultrajado, como se os pobres estivessem, irresponsavelmente, esquecendo as regras da etiqueta.
PARTIDOS – Houve um tempo em que três letras definiam um homem. Alguém dizia «Eu sou PTB» e você sabia com quem estava falando. «Eu sou UDN». Você sabia com quem estava falando. E saía de perto. Hoje trocam de partido, fazem alianças estranhas… Conseguiram que as letras não signifiquem mais nada. Uns FDP.
PMDB – O partido que transformou «heterogeneidade» em palavrão.
PRIVILÉGIOS – Confundir ordem e normalidade com seus próprios privilégios é um velho hábito de qualquer casta dominante.
SALVADORES DA PÁTRIA – Do próximo que se apresentar como nosso salvador, vamos exigir prova de mãe virgem e no mínimo três milagres – em cartório!
TAXISTAS – O Brasil vai mal porque as únicas pessoas que sabem como governá-lo estão dirigindo táxis, em vez de no governo. Os motoristas de táxi têm a solução para todos os problemas do país ou – dependendo do tamanho da corrida – do mundo. Um dia, quando estivermos na iminência do caos terminal (pode ser amanhã), uma revolução popular colocará os homens certos nos lugares certos. Os motoristas de táxi, os dentistas e os barbeiros assumirão o poder, colocarão em prática suas teorias e resolverão todos os nossos problemas.
Ver!ssimas frases, reflexões e sacadas sobre quase tudo / Luis Fernando Verissimo : organização Marcelo Dunlop : seleção de ilustrações Fernanda Verissimo e Fraga – 1ª ed. – Rio de Janeiro : Editora Objetiva. 2016.
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